domingo, 14 de junho de 2009

Máscara I

De trás da coxia, com as mãos trêmulas afundou o chapéu côco preto o mais fundo que pôde na sua cabeça, olhou pro nariz vermelho em cima da cadeira ao lado, tirou de novo o chapéu da cabeça, agora ainda mais ansiosa, colocou o nariz, aquela máscara (a menor de todas) que deveria lhe revelar e não esconder, como sempre pensara. Recolocou o chapéu, e com borboletas na barriga bateu na madeira do biombo... 'toc toc'. Um segundo de silêncio, e uma voz masculina bem conhecida lhe gritou de longe: 'ADELAAAANTE!!!'

Tímida e temerosa adentrou ao picadeiro, primeiro o chapéu e a cabeça, depois o restante do corpo, com pequenos passos e mordendo o cantinho direito da boca foi chegando ao centro, cerca de uns 12 rostos curiosos lhe olhavam fixamente, e quando seus olhos passavam pelos olhos deles parecia que lhe sugavam a essência, e ela teve medo. Reconheceu o dono da voz que lhe gritara, e este lhe fez um sinal pra que levantasse um pouco chapéu, ficou ainda mais nervosa, e em um gesto tímido de quem brinca com a platéia foi levantando o chapéu... o silêncio era cortante, será que tinham gostado dela? Será que a amavam? Uma sensação de estar sendo lida...

Decidiu levantar os braços, num pedido de aplausos (ou vaias), sentiu o rosto corar nesse instante... o silêncio continuou por um segundo, e quando seus braços chegaram ao rumo do ombro, uma explosão de aplausos, gritos de 'TE AMOO!!!', 'LINDA!' e um ousado 'GOSTOSAA!!!', deu um suspiro risonho de alívio e conteu algumas lágrimas, a cena congelou naquele instante, sabia que estavam sendo sinceros e aquilo lhe lavou a alma e tocou fundo no seu coração.

Brincou um pouco com o chapéu colocando-o sobre o peito e abaixando a cabeça num sinal de reverência e agradecimento... não sabia exatamente se queria sair ou ficar ali o resto da tarde, se sentia um pouco embebecida com os gritos eufóricos e palmas, por um instante aquelas poucas pessoas pareciam ser um multidão.

Como se alguém lhe estalasse os dedos frente ao seu olhar fixo, acordou de súbito, ainda a estavam olhando, mas os aplausos iam ficando cada vez mais raros... - 'Preciso sair', pensou. Lembrou-se da triangulação: platéia - biombo - biombo - platéia... Então olhou pras pessoas e pro biombo, conforme lhe haviam ensinado, dando uma indicação que estava pra sair. Com passos rasos foi saindo, ainda com a sensação de estar tonta, sumiu atrás da coxia, e num último gesto, colocou a mãozinha pra fora abanando o chapéu, ouviu alguns risinhos, o que lhe deixou bem contente.

Parou pra pensar em tudo que tinha acontecido nos últimos minutos, parecia ter ficado uma hora no picadeiro, mas sabia que não passaram de uns 3 minutos, mal tirou o chapéu o olhou com muito amor e saudade (pois já sentia falta dele na sua cabeça). Com muito mais cuidado tirou o nariz vermelho, como se pudesse quebrá-lo em um gesto estabanado, limpou-o na camiseta branca, e o colocou vagarosamente sobre a cadeira de onde o tirara.

Respirou fundo, as borboletas começavam a ir embora, a emoção do palco continuaria por algum tempo; recolocou a sua máscara original e o seu escudo (que no fundo, não tinha abandonado completamente), e foi-se embora pra casa passando pela multidão como uma pessoa qualquer.

quarta-feira, 10 de junho de 2009

Caminho das Pétalas

Aconteceu no ano de 1873. Como se fosse de uma tela recém pintada, esquecida ao vento num dia de chuva, a rosa branca foi se desconfigurando, pingando no chão sua pétalas em forma de tinta. Estas, por sua vez, caíram azul claro cintilante, quase transparente, fazendo borrões escorridos no cimento frio, que se misturavam ao barro e à enxurrada.

E, por onde passou, deixou um rastro brilhante de beleza e mágoa, um fiapinho de rio cristalizado, intitulado, 15 anos depois, como 'Caminho das Pétalas'. E, até hoje, quem por ali passa pode sentir a essência do perfume da rosa, e uma brisa fria que lhe susurra ao ouvido palavras de amor e solidão.